Vida de Pai

Arquivo : dezembro 2012

Ano novo
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Renato Kaufmann

Ilustração: Eduardo Souzacampus

A julgar pelos fogos de artifício acordando bebês, gatos e cachorros, está chegando o novo ano, ou algum time ganhou alguma coisa, ou pegou fogo em uma fábrica de pipoca, ou as pessoas que odeiam gatos, cachorros e bebês tiveram um ótimo 13o  este ano.

Eu gosto de fogo. Apanhei de monte quando criança por quase botar fogo na casa e em várias outras coisas – acidentalmente, claro. Eu jogava álcool na pia e punha fogo, era divertido ver as chamas descendo pelo ralo. Eu deixei uma vela acesa dentro do armário. Enfim, a lista é longa e eu era um piromaníaco mirim, quase. Sorte que nunca deu em tragédia.

E eu gosto de fogos de artifício. Acho fascinante como o fogo muda de cor, dependendo do que os engenheiros químicos acrescentam nele. Agora, tem uns que não tem cor e só fazem barulho. Um eufemismo isso, já que, na prática, eles parecem com a Terceira Guerra Mundial. Servem, basicamente, pra incomodar os outros.

Da última vez, os rojões acordaram a Lucia, apavoraram os gatos e eu levei horas pra desgrudar um deles do teto e arrancar o outro de dentro do estofamento do sofá. Os bichinhos tremiam de medo.

Este ano, estou pensando em outra estratégia, vou encher a cara de champanhe. Quero ver o gato acertar o teto com a sala toda girando.

 


Morrer feliz
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Renato Kaufmann

Esse ano a Lucia passou o Natal com a mãe e vai passar o ano novo comigo. Ano passado foi o contrário. É justo, mas dá uma saudade enorme.

Aí a Lucia voltou de viagem, dizendo que tinha todas as cores do arco-íris de tanta saudade, que estava feliz que eu não fiz a barba (oi?) e passou uns 40 minutos correndo à minha volta, mostrando e contando coisas e dando abracinhos.

Foi tão gostoso que eu poderia morrer tranquilo em um momento desses – ainda que isso talvez fosse traumatizante para os sobreviventes.


Assuntos
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Renato Kaufmann

Agora acaba o assunto “natal do filhos”. E logo mais a gente fala do “ano novo dos filhos”, e do calor de fim de ano, o terceiro tema mais comentado nessa época.

A não ser que comecem a misturar tudo: “Choviam crianças, uma verdadeira tempestade de bons meninos e más meninas. Com o calor, os presentes derreteram e se misturaram em uma enchente. O saco do Papai Noel estourou, justo nas férias, mas na noite do dia 31 ele ganhou um outro, que era novo e feliz como o ano que chegava.”


Papai Noel, velho batuta
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Renato Kaufmann

feliz aniversário, papai noel. pode pegar o que quiser - leite, biscoitos e os presentes sob a árvore

ilustração: Eduardo Souzacampus

Na minha infância de menino judeu, muito antes de ser ateu, eu tinha uma certa inveja do Natal. Presente a gente também ganhava, de Chanucá, mas o Natal era mais divertido e tinha todo aquele ritual politeísta de entidades místicas. No aniversário de Jesus, que era quase um figurante, todos os olhos se voltavam para o Papai Noel.
 
Ele era onisciente e sabia tudo o que você fazia o tempo todo, a ponto de criar uma lista de bons e maus. Hoje, fico um pouco horrorizado com essa ideia, afinal, quem fica observando criancinhas em tempo integral, até no banho? Afe. Mas ele trazia presentes, para todo mundo e ao mesmo tempo.
 
A gente não tinha Natal em casa, mas eu sempre era convidado a passar com meus amigos, e adorava. Só que com uns cinco anos eu já tinha certeza que o Papai Noel que aparecia na sala era um parente de alguém, cuja insistência encachaçada em dizer que era mesmo o dito cujo insultava a minha inteligência infantil. Era tão falso quanto os monstros da noite do terror do Playcenter.
 
Com sete anos, eu pegava escondido da minha irmã o álbum de uma banda chamada Garotos Podres, que deixava claro, em letras bem explícitas, que o velho batuta presenteava apenas os ricos e era bem indiferente com os menos favorecidos. Sete anos e já preocupado com as diferenças sociais, ainda que dirigindo a indignação ao Papai Noel.
 
E pensando bem, esse barbudo, além de ficar observando as crianças de maneira deveras suspeita, é um baita maniqueísta, com a sua lista de bonzinhos e malvadinhos. Decidi que não simpatizava nada com essa figura e que ele não teria lugar por aqui.
 
Eis que surge a Lucia na minha vida, ela cresce e fica toda entusiasmada com o Natal. Eu já estava pronto pra contar tudo, que quem dá presentes são os pais, e que eles precisam trabalhar muito pra isso. A mãe da Lucia pediu pra segurar mais um pouco. Disse que o mundo da fantasia era importante pro desenvolvimento da criança, aquelas coisas. Resolvi topar.
 
Aí eu perguntei pra Lucia sobre o Papai Noel. Ela disse que ele era bonzinho e trazia presentes pras crianças. Falou com tanta doçura e brilho nos olhos que até eu fiquei emocionado, e se ele vai fazer os olhos da pequena brilharem desse jeito, torço pra que ele exista pra sempre, mas bem que ele poderia olhar pro outro lado na hora do banho.

 


Fim do mundo
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Renato Kaufmann

Claro que o mundo não acabou. Ele não apenas insiste em existir como continua igual. Os otimistas acreditam que a gente vive no melhor dos mundos, e os pessimistas têm certeza.

Uma das vantagens de o mundo não acabar é que a gente ainda tem um lugar para criar os filhos, o que, convenhamos, seria muito mais difícil no vazio do espaço, onde talvez nossa única opção fosse ir morar debaixo da ponte.
(a Ponte de Einstein-Rosen, claro.)

Como morar debaixo disso aqui, um buraco de minhoca espacial. Cientistas e corretores de imóveis garantem que, apesar da vista, seria pra lá de desagradável.


Férias escolares
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Renato Kaufmann

Para as crianças, um sonho.

Para os pais também de férias, cansativo como correr uma maratona, mas com mais alegrias.

E para os pais que continuam trabalhando, uma espécie de pesadelo logístico…

 


É mentira que brinquedo não tem idade
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Renato Kaufmann

godzilla

Ilustração: Eduardo Souzacampus

Todo mundo que já pisou descalço em uma pecinha de Lego, no meio da madrugada, sabe como é importante ensinar a criança a arrumar os seus brinquedos. Afinal, tão divertido quanto construir uma cidade é virar o Godzilla e destruir tudo. Arrumar, nem tanto. Por isso que, em filmes e desenhos de heróis, a gente nunca vê a equipe de limpeza.

Os pais podem tentar transformar a arrumação em uma atividade divertida, mas criança não é trouxa, ela logo percebe que algo está fora de lugar, e não são os malditos brinquedos compostos por centenas de pecinhas: “que canalha, você está tentando me educar, eu sei!”

Aí, comprei aquele jogo dos anos 80, o Genius, para a Lucia. A embalagem dizia a partir de 6 anos, mas é só memorizar e repetir sequências, e achei que ela ia se divertir. Depois da quarta tentativa, ela começou a se sentir frustrada. Experimentou apertar todos os botões. Brincou com as pilhas. Com as pilhas, vejam bem. Depois, a brincadeira era “vamos esconder o brinquedo e o outro precisa procurar, tááááá pai?”. E, finalmente, usou o negócio como um disco voador para o seu urso de pelúcia.

É, tem uma certa arrogância paterna em desconsiderar a idade sugerida do brinquedo. Lição aprendida. Aliás, imagino que a tal idade deveria ser 40 anos ou mais, porque já passei uma madrugada com esse negócio e não consegui terminar nenhuma sequência até o fim. Pelo menos, é fácil de guardar.


A manha é uma ilusão
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Renato Kaufmann

Um mágico nunca revela seu truque, a não ser que queira ver a associação dos mágicos tirar um processo da cartola.

Um dos princípios do ilusionismo é despistar a atenção. Enquanto você é levado a olhar pra um lado, o truque acontece do outro.

Tem situações, quando a criança faz manha, que seu papel não é convencer ela nem mostrar que está sendo irracional. Às vezes basta distrair, mudar o assunto, ou perguntar algo como “Nossa, o que esse gato está fazendo? Que gato maluco!”

Funciona como mágica.


A primeira piada
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Renato Kaufmann

Ou, tecnicamente, a primeira piada engraçada, já que a primeira, de verdade, foi “pai, sabia que banana não tem caroço? hahahahah”.

Aí a Lucia está sentada na privada e diz assim:

– Pai, vou contar uma piada

– Conta

– Tem dois bolinhos no forno.
Um bolinho diz “está quente aqui hein”.
E o outro diz “AIMEUDEUS UM BOLINHO FALANTE!!”

Aí eu penso “AIMEUDEUS QUE ORGULHO!”
Ela tem o humor infame da família.


Videogame na sala de aula
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Renato Kaufmann

Ilustração: Eduardo Souzacampus

Um dos jogos mais revolucionários já criados chama-se Portal. Nele, você tem uma arma que abre dois portais – entra em um e sai no outro, simples assim.

Todas as (outras) leis da física se mantém. No exemplo abaixo, o jogador precisa pular de uma certa altura, cair com velocidade dentro de um portal que colocou no chão, para sair com essa mesma velocidade de um portal que colocou na parede – e alcançar a plataforma, que é seu objetivo.

Pode parecer que o cara está fazendo xixi no portal. Eu gosto de acreditar que não está.

A história do jogo também é muito legal, menos se você for o tipo de pessoa que pula a narrativa pra cair direto na parte jogável dos games. Mas o que atraiu a atenção de professores de física e matemática não foi a história, e sim a chance de ensinar as crianças usando algo que elas tenham paixão por.

Na hora de lançar Portal2, os desenvolvedores já tinham em mente esse potencial para educação. Então eles lançaram também uma ferramenta que permite que você crie suas próprias fases, desafios e exercícios, e o site “Ensinando com Portais”, que traz planos de aula e recursos, ajudando os professores a integrarem o game e essas ferramentas ao currículo escolar.

Quando eu penso que a Lucia pode ter os videogames mais legais do mundo na escola e vai aprender mais rápido por causa disso, ou ao menos com mais prazer,  me dá uma inveja danada. Pro inferno, Ricardinho que comprou trinta laranjas e perdeu duas! Danem-se, trens indo em direções opostas a diferentes velocidades e onde eles se encontram no caminho!

Já até imagino o diálogo:
– Pai, sai desse videogame!
– Pô Lucia, eu tô quase passando de fase. Vai lá fazer a sua lição de casa, vai.
– Pai, isso aí que você está jogando é a minha lição de casa. Agora dá licença!

 

Enquanto as outras crianças resolvem matemática, o pequeno Joãozinho coloca um portal em frente ao outro e passa toda aula perseguindo seu próprio eu. Repetiu de ano apesar dos protestos do professor de artes.