Vida de Pai

Arquivo : janeiro 2013

Frases comuns
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Renato Kaufmann

Tem frases cuja frequência no nosso vocabulário aumenta muito após a paternidade.

Elas incluem “Eca”, “Não pode”, “E agora?” e “Claro que ficou lindo”.

Mas tem uma que assombra os pais desde a notícia da gravidez até a época de volta às aulas, transporte escolar e afins:  “PERAÍ, QUANTO?????”


Volta às aulas
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Renato Kaufmann

Foi assim que eu me senti quando repeti a terceira série.

Ilustração: Eduardo Souzacampus

A primeira sensação quando voltam as aulas das crianças é de alívio. Porque se você precisa trabalhar fora, as férias são um período complicado de gerenciar, e o retorno da rotina é mais que bem-vindo.

Só que a volta às aulas também é um daqueles períodos de saltos quânticos. “Pai, o que é salto quântico”? Vendo as outras crianças da classe, enormes, a gente se dá conta do quanto a nossa cresceu. É como se fossemos o Capitão América, congelado por décadas, de repente acordando para um mundo bem diferente daquele em que a gente dormiu.

A Lucia agora fala um monte de palavras complicadas, faz perguntas inteligentes e tem uma curiosidade sobre o mundo que me deixa vermelho de orgulho, ou sei lá qual é a cor do orgulho. Às vezes, tropeço nas sinestesias. “Pai, o que é sinestesia?”

Durante as férias, eu e a minha pacotinha brincamos bastante com letras, aplicativos de alfabetização e ficamos escrevendo o nome dela pra ela treinar copiando cada letra.

Quando a mãe dela me disse que a Lucia, espontaneamente, sentou pra desenhar e escreveu o próprio nome, me deu uma invejinha, queria muito ter visto esse momento. Simbolicamente, acho muito profundo esse primeiro escrever do próprio nome. Apesar de não ter estado lá, fiquei verde de orgulho mesmo assim. “Pai, o que é daltônico para emoções?”.

Não sei se é assim com pais dentistas “Olha querido, o Joãozinho arrancou três dentes do coleguinha”, mas como eu e a mãe da Lucia vivemos de escrever, é uma ocasião especial. O fruto não cai longe da árvore, mas claro que, se a árvore estiver em uma ladeira, ninguém sabe aonde o bendito fruto vai parar.


A maior cachorrada
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Renato Kaufmann

Estou com a pequena no carro e tem um monte de cachorros de rua atravessando na faixa. Ela diz “olha pai!” e respondo “nossa, é uma verdadeira matilha.”

“O que é matilha, pai?”. Todo nerd, digo “é o coletivo de cachorros; quando tem um monte de cachorro junto, a gente fala assim. O coletivo de lobo é alcateia e o coletivo de pássaros é bando” respondi, esgotando meu vocabulário.

Ela pergunta: “e o coletivo de pessoas, qual é?”. Nessa hora, não resisti em dar uma de Pai do Calvin, um dos meus ídolos,  respondi “Ônibus!!!” e fiquei rindo sozinho que nem bobo.


Qual a dica mais útil do mundo?
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Renato Kaufmann

Todo mundo tem um monte de conselhos legais sobre gravidez e filhos pequenos.

Um que me ajudou muito quando a Lucia era pequena foi “pegue a fralda, lencinho e pomada ANTES de começar a trocar o bebê, já que é muito mais difícil ir buscar quando você está com um bebê melecado, agitado e fazendo xixi no teto – e não vale deixar a criança sozinha no trocador nem por um segundo”.

Outro que foi importante durante a gravidez: “Sério, se você fugir pro Alasca vai ser pior. E muito mais frio. Melhor encarar.”

E vocês? Qual foi a dica mais útil que vocês já receberam?


Timidez
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Renato Kaufmann

Ilustração: Eduardo Souzacampus

Eu sempre fui tímido, e quando era criança, beirava o ridículo. Hoje, isso ganharia um nome bacana, como fobia social, mas, na época, acho que as opções seriam apenas frescura ou covardia.

Toda vez que o elevador para em um andar, abrem-se as cortinas para o mundo. E para mim, era especialmente assustador. Eu tinha até um pesadelo recorrente em que todos os cantos do elevador onde dava pra se esconder estavam ocupados, e quando a porta abrisse, em geral em um andar que não existia, como o 3o subsolo, eu estaria ferrado. O 3o subsolo era habitado por monstros, marcianos e vizinhos.

E eu morava no último andar, cujo botão ficava totalmente fora do meu alcance. Para não ter que pedir que apertassem pra mim, aprendi a escalar a parede do elevador e apertar eu mesmo.

Quando mudei de cidade foi ainda pior. Eu ia pra pracinha da rua, mas não tinha coragem de ir falar com as outras crianças, então ficava “estudando” um ninho de insetos na árvore, como se fosse um especialista em insetos ou árvores ocupado com meu trabalho.

Não mudei muito. Em um bar ou festa, fico analisando meu copo ou observando as pessoas, como se fosse um antropólogo recém-chegado do espaço sideral. Minha timidez só desaparece por escrito ou um gole antes de entrar em coma alcoólico.

Outra coisa que desaparece são os meus gatos. O Maotse Tung é supertímido, enquanto o Lacan é todo soltinho. Quando vem gente em casa, o Mao some pra dentro de uma cadeira, cama ou armário. Considerando que ele come o estofamento dos móveis, deve ser estranho conviver assim com uma coisa que serve de alimento e abrigo. Ou talvez seja uma sensação uterina de proteção.

O Lacan pede atenção o tempo todo, mas é uma armadilha: ele vai ronronar por dez segundos e depois retalhar o seu colo. O Mao quase nunca pede, mas, se você conseguir pegá-lo, ele se derrete como um bebê.

Quando eles eram filhotes, eu corria atrás deles pela casa e eles se escondiam dentro do fogão, como um porquinho da índia. E quando a Lucia era um filhote de macacãozinho cor-de-rosa, engatinhava em alta velocidade atrás deles pela casa (hah, engatinhava). Como resultado, onde ela for, eles vão pra direção oposta. Se pudessem, se esconderiam dela até no elevador.

Afinal, como eu, a Lucia também fica envergonhada no elevador. Ela fica ali dançando até abrir a porta e aparecer alguém, então corre e se esconde atrás de mim. Às vezes, ela fala alguma coisa ali, eu pergunto se ela é um pum falante e a mocinha morre de rir. Alguns dias ela não conversa nem amarrada e fica olhando pras pessoas com seus olhões arregalados. Outros ela sai e puxa assunto, e eu fico todo orgulhoso da pequena.


Namorando escondido
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Renato Kaufmann

Aí vi aqui na home de gravidez e filhos a pergunta: “Seu filho está namorando escondido?”

Primeira reação: hahahaha, imagina isso.
Segunda reação: não, espera, o quê???

Como pai de menina, tento gastar todo meu ciúme agora, em situações fictícias, pra quando chegar a hora estar dessensibilizado. E isso com a ideia de namorar – a de namorar escondido parece ser ainda pior.

Nunca me esqueço da conversa que eu tive com meu então sogro, pai de três moças, quando a Lucia nasceu:

– O que você faz quando aparece o primeiro desgraçado tocando a campainha atrás da sua filha?

– Bom, você dá graças a deus que finalmente um deles resolveu tocar a campainha, em vez de entrar pela janela.


Síndrome de abstinência
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Renato Kaufmann

Quatro dias sem ver a filhota já bastam pra me dar um imenso buraco na asa em forma de Lucia, uma sensação tão grande de casa vazia que sequer colocar energético na água dos gatos resolve.

Hoje acordei com um movimento e abri os olhos sonolentos, crente que ia ver a Lucia tentando subir na minha cama, como ela faz quando quer me arrancar dela, mas eram só os gatos, com um miado que, tenho certeza, era pra me avisar que eles deixaram uma gazela morta na sala, e possivelmente alguns antílopes também.


Segundas, penitenciárias e pontes
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Renato Kaufmann

ilustração: Eduardo Souzacampus

Existem pessoas que amam as segundas-feiras, começo de semana, aquela chance de colocar em prática as resoluções – ou compensações – do fim de semana, começar dietas e afins. Já eu me encontro no mesmo time de um certo gato laranja que não é tão fã da data, pra dizer o mínimo.

Janeiro é como se fosse a segunda-feira do ano – hora de colocar em prática todas aquelas resoluções de ano novo, e, claro, falhar miseravelmente nisso. Por essas e outras, a minha resolução para os inícios de calendário tem sido a de não fazer resolução alguma. Afinal, nada como um bom paradoxo pra começar o ano.

Até porque o mais importante já está resolvido, que é a vida com a minha filhota. Eu fico metade do tempo com ela, faço questão, e morro de saudades quando a pequena está longe. Mas para aumentar esse tempo juntos, só se eu desse sumiço na mãe dela, o que seria péssimo, em especial se eu fosse descoberto. Aposto que ninguém iria me visitar na cadeia.

Ou largar o emprego. Trabalhar menos seria ótimo, mas escola de criança e uísque não se pagam sozinhos, e no fim, a gente faz o que tem que fazer. Aposto que não iriam me visitar embaixo da ponte.

Restam aquelas coisas como “fazer exercício” e “se alimentar melhor”, coisas que ajudam a ter uma vida mais longa. E claro que eu quero uma vida longuíssima, ver a Lucia crescer e escrever um trabalho que além de curar o câncer, vai ganhar um Nobel de literatura, mas, a essas alturas do campeonato, entrego minha longevidade para os avanços da medicina, e é bom inventarem um milagre o quanto antes.

Aí, só sobra uma coisa: parar de falar mal das segundas-feiras. E, como com qualquer resolução desse tipo, na outra segunda, eu começo.


Férias tranquilas
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Renato Kaufmann

Tem muita gente dando dicas para as férias, que aliás parecem não acabar nunca.
Melhor ainda, esse produto revolucionário pode ser útil para muita gente:


Lontras, mendigos bêbados e mães selvagens
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Renato Kaufmann

Depois do terrível incidente no carro, não podia deixar de compartilhar esse capítulo do livro “Como nascem os pais“:

“Tudo começa centenas de anos atrás, com a domesticação das codornas, ou milhões de anos atrás, com a presumida domesticação dos bebês. Seguindo essa tradição, Lucia, que pertence ao segundo grupo, comeu ontem pela primeira vez um ovinho de codorna.

Meia hora depois, sento a pequena na cadeirinha, pra ela acompanhar o jantar da irmã e se sentir participante. Aproveito e dou um ovinho na mão dela, que o devora como uma selvagem. Achei que ia engasgar e que seria necessário desentupi-la com roto-rooter, mas bebê tem que aprender a comer, né. Ela mesma deu um jeito, cuspindo um pedaço no chão, que se juntou aos outros que caíram esfarelados. Como caiu, dei mais um, é a coisa mais linda ver essa menina comendo com as mãozinhas, parece uma lontra.

Aí dona mamãe chega do trabalho e aproveito pra limpar a sujeira de ovos no chão. Sem ter a importante e necessária sujeira como indicador, mamãe tem a mesma idéia genial, de modo que lontrinha come mais três ovinhos. Chegada a hora de dormir, zureta de sono, toma meia mamadeira e capota no berço tal qual um mendigo bêbado.

Lá pelas onze ela dá uma choradinha e pára. Em geral a gente deixa, porque ela volta a dormir sem precisar de atenção, às vezes só de entrar no quarto ela olha e, sentindo-se novamente segura, cai de cara na ovelhinha de pelúcia, adormecendo no meio da queda. Mas dessa vez fui ver.

Encontro a Lucia vestindo o capuz da blusa, sentada no escuro e dizendo coisas ininteligíveis, parecia o Charlie do Lost na fase heroína. Verifico a fralda e sinto um molhado na roupinha. Afasto a mão sem querer e sinto um molhado extenso na cama. Penso “putaquepariu será que o bebê está derretendo ou é a maior diarréia do planeta?”

Acendo a luz e vejo horrorizado que ela estava completamente vomitada, a cama, a ovelhinha, a proteção do berço, tudo encharcado, vômito no cabelo, olho, nariz, orelha; uma cena de partir o coração.

Calmamente chamo: “gatinha, vem aqui um instante, sim?”. Ela arregala os olhos e logo vai lavar a Lucia no banheiro enquanto eu esquento água pro banho. Como mãe que é mãe ou sente ou inflige culpa (ou ambos), ouço a mãe ralhando consigo mesma, ela que é sua juíza mais severa, pedindo desculpas à Lucia até pela mera existência das codornas.

Eu digo que precisamos dar água pro bebê, pra não desidratar. Ela pede pra ligar pro veterinário. Nos segundos que levo pra achar o telefone na agenda já levo uma bronca por estar demorando muito pra ligar. Explico ao bom doutor que ela comeu muito ovinho e vomitou mas parece ok. Ele diz que o importante é não desidratar e se precisar pode dar Dramin. Sou obrigado a perguntar se é possível que ela tenha aspirado vômito com consequências pavorosas. Ele diz que é possível, mas que é muito raro, que acontece mais com pessoas em coma. Mamãe fica com raiva de mim e do médico. Acho que ela esperava ou “impossível” ou “leve-a já ao hospital”

Tentamos dar água de coco, mas o bebê vomita de novo, em jorros e eu horrorizado pensando como é que cabe tanta coisa dentro de um bebê tão pequeno. Será que ela guardou vômito em um portal intradimensional, especialmente pra soltar tudo nessa ocasião? Será que ela é oca e dentro dela é tudo estômago?

A essas alturas dona mamãe está muito brava e irritada. Na quinta patada que levo explico que o foco tem que ser o problema da Lucia e não a reação materna a isso. Ela rosna ameaçadoramente pra mim, que não tenho senso de oportunidade algum.

Lucia dá umas risadas e parece sinceramente aliviada. Entendo bem isso, nada melhor que a sensação de não precisar vomitar mais. Quantas noites não dormi abraçado de conchinha com a privada?

Compelido a ligar novamente pro médico, conto que vomitou de novo e pergunto o que fazer se vomitar o remédio. A mãe fica emputecida de eu dizer pro médico que a pequena parece melhor, dizendo que odeia como eu atenuo as coisas, e que a Lucia pode ser sub-tratada por causa disso. Respondo que eu é que odeio como ela exagera as coisas, que a Lucia pode acabar sendo over-tratada por isso e que imaginar uma possibilidade não basta pra que seja uma preocupação válida.

Lucia, bem melhor mas zonza de sono, recusa-se a beber qualquer coisa e adormece no colo da mãe. Tento pegar a bebê pra levar pro berço e quase perco a mão. Dona mamãe fica as próximas duas horas com a pequena no colo, fazendo carinho e rosnando pra quem chegar perto. Por fim resolve dormir na sala, com a bebê no cercado, por via das dúvidas.

Comento que a pequena estava um pouco fria e pálida (olha que burro) e ela logo pega o telefone pra ligar pro médico “a bebê está fria e pálida!!!” Tento explicar que a parte dela que está coberta está quentinha, e qualquer um que vomitar desse jeito fica pálido mesmo, mas preocupação de mãe é uma coisa límbica, de cérebro reptiliano. A razão só vem alguns cérebros evolucionários depois e não pra todo mundo. O pediatra, tendo sido informado da quantidade exata de ovinhos, disse entre um bocejo e outro que achava que não era suficiente pra ela passar mal, e que pode ter sido excesso de comida mesmo.

Deitamos ambos no sofá, olhando a pequena dormir. Aliviada por não se sentir mais a causa do revertério, dona mamãe pede desculpas por ter sido tão agressiva. E eu, feliz por estarem finalmente ambas bem, durmo como o amigo do mendigo bêbado, aquele que fugiu com a garrafa de cachaça e desmaiou no viveiro das lontras.”