Vida de Pai

Arquivo : setembro 2012

“Ser pai é calejar o coração dos filhos”
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Renato Kaufmann

Caiu, Levanta

Ilustração: Eduardo Souzacampus

Faz pouco tempo, fui convidado pra dar uma palestra. Eu não sou muito bom de falar em público, fico nervoso. Isso só piorou, porque, antes da minha, foi a do José Ruy Gandra. O cara é uma alma iluminada, um poço de sabedoria e tem uma história de dar nó na garganta.

Ele perdeu um filho. Eu não consigo nem imaginar como seja essa dor, e só de pensar nisso tenho vontade de chorar. Apesar de tudo, ele sai da cama todos os dias e encara a vida de frente, talvez também por ter outro filho e um neto, e ambos precisarem da sua figura. Mas perder um filho e continuar a viver me parece exigir uma força sobre-humana.

Então, quando uma pessoa como o Gandra fala, eu escuto com ouvidos atentos. E de tudo que ele falou na palestra, uma frase ficou na minha cabeça: “Ser pai é calejar o coração dos filhos”.

Nosso impulso é acolchoar as crianças de todas as coisas difíceis do mundo. Isso parece proteção, mas não é. Sim, o mundo é duro. Mas um dos maiores presentes que podemos dar a um serzinho humano é estimular a sua autonomia, deixar que ele aprenda a encarar e lidar com agruras e frustrações.

Um dia não estaremos mais aqui pra ajudá-los e protegê-los. Seus corações macios estarão à mercê da vida. Talvez ajude se esse coração já vier meio que calejado mesmo. Talvez seja mais importante passar, junto com eles, por essas situações que poupá-los.

Eu ainda não sou tão iluminado. Mas a gente já treina com situações menos graves, como um tombo. A lição é a mesma “Caiu, levanta”. Uma lição que o Gandra nos ensina com o seu próprio exemplo.


Deixar a criança chorando até dormir: vale ou não vale?
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Renato Kaufmann

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  • http://mulher.uol.com.br/gravidez-e-filhos/enquetes/2012/09/24/deixar-a-crianca-chorando-ate-dormir-vale-ou-nao-vale.js

A discussão está acalorada.

Tenho ouvido defesas bastante inteligentes de ambos os lados.

Nos extremos, tem gente que diz que deixar chorar é bom, que a criança aprende a adormecer sozinha, a ter autonomia. E também tem gente que diz que isso é uma crueldade ímpar com a criança.

Assim, resolvi perguntar.
O que vocês acham?

Votem na enquete abaixo e, se sobrar um minutinho, expliquem nos comentários o porquê da sua escolha.

Eu gostaria de ouvir mais opiniões sobre o assunto.


Pai, o invisível
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Renato Kaufmann

Pai Invisível

Ilustração: Eduardo Souzacampus

Pai é um cidadão de segunda categoria. As pessoas poderiam pensar que ele nem é necessário, sequer para a produção do bebê, tamanho o descaso com essa figura. Acreditem: ao contrário dos anjos e das bactérias, os seres humanos não se reproduzem por bipartição. “Engravidei virgem” e “foi o boto cor-de-rosa” são só técnicas de salvar a vida do vizinho. Cada uma com as suas vantagens: na história do boto, o pai existe, mas some no rio. E na outra, palmas para o José, pai é quem cria.

Nos ultrassons, o médico nem fala com você. Ok, o bebê está dentro da mãe, uma vida crescendo e se desenvolvendo lá, se alimentando dela. O mais perto que a gente chega disso é ter lombrigas. Mas ei, eu que coloquei esse bebê aí. Eu ou o leiteiro. Gente, como sou velho, acho que não existem mais leiteiros.

E a barriga? Todo mundo cumprimenta a grávida, passa a mão na barriga dela e diz parabéns. Eu sei que ia ser estranho se viessem passar a mão nas minhas… er… no meu… ahn… aparelho reprodutor e dar os parabéns, mas mesmo assim.

Na maternidade, dão para você uma pulseira azul, uma roupa de faxineiro e olhe lá. Eu sei que o papel do pai na sala de parto é não desmaiar, mas puxa, pai também sofre no parto. Custava me dar uma dose de morfina? Ou três? Ora essa.

E depois que o bebê nasce, o pai deixa de ser um cidadão de segunda e passa a ser um marido de terceira. Acreditem, isso passa. E, nessa hora, as coisas podem começar a mudar. Se antes a sua interação com o bebê se restringia a falar com uma barriga, agora você pode pegar no colo e chamar de seu.

Na primeira semana, a mãe da Lucia não queria me deixar dar banho. Ela dizia que queria dar o banho, mas, na verdade, desconfio que tivesse medo que eu derrubasse o bebê. E afinal, sou meio mão furada mesmo, o bebê está ensaboado e a situação toda é como sabonete na cadeia: derrubou, está ferrado. Mas a gente conversou e eu logo comecei a dar banho também. É muito legal.

Em alguns momentos, é bem capaz que tenha batido um arrependimento nela. Como quando descobriu que eu desenvolvi uma técnica pra virar o bebê na banheira com uma mão só. Funciona quase sempre. Ou quando viu que em vez de usar uma canequinha pra enxaguar o cabelo da pequena, eu usava uma panela cheia.

Agora a Lucia faz natação, ficou na banheira mostrando que aprendeu a mergulhar, e eu penso que a cena me parece bem familiar na verdade.


Ataques de manha
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Renato Kaufmann

uahhhhhhh

Ilustração: Eduardo Souzacampus

A Lucinha entrou na fase de testar limites, e um deles é até onde consegue ganhar as coisas no grito. No começo, eu fiz tudo que não deveria fazer: argumentar extensivamente, negociar, dar colo, ficar bravo ou, o pior de todos, ceder: “então tá”.

Aí, a pequena bolinha repete um mantra como quem reza infinitas ave-marias. “Eu quero danoninhooooooo”, “Eu quero danoninhooooooo”. Mais um pouco e quem vai ter que aprender a rezar sou eu.

Perguntei para uma prima psicóloga, a Juliana: o que eu faço? Ela disse para descer até a altura da criança, explicar que só vou conversar quando ela se acalmar, dar as costas e sair andando.

Fiz isso, com dificuldade, e a Lucia começou a berrar. Em dois minutos, veio pedir desculpas por estar fazendo manha. Sucesso.

Mas e para evitar a manha? A dica da Isabel Garcia, psicóloga infantil, é preparar a criança para as mudanças do dia, e dar tempo dela ir se preparando. Em vez de interromper uma brincadeira, avisar antes “a gente vai brincar mais um pouco, depois banho e jantar, tá?”

As pestinhas aprendem a ter vontade própria e querem praticar. Aí no jantar ela começou: “Eu não gosto de peixeeeeee”. Nem tinha experimentado ainda.

Eu disse que era o que tinha. Deu escândalo, se jogou no chão, esperneou. Levei-a para o quarto, para se acalmar e pensar. Acabou dormindo sem jantar, pobrecita.

Nossa, a gente se sente um mau pai. Só que aprender a ter limites é mais importante do que uma refeição. Se não, pode virar uma criança tirânica, uma adolescente prepotente e aí já viu.

Nessas horas, o pai precisa ir contra ao seu próprio instinto. Ensinar limites é difícil pra caramba, mas é um ato de amor. A única outra alternativa é se jogar no chão e chorar junto. Eu já fiz isso e, olha, não funcionou.


Manha, camisinha e viagens no tempo
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Renato Kaufmann

Dizem que a melhor forma de prevenir um ataque de manha é usar camisinha alguns anos antes. Como nenhum viajante do tempo veio falar comigo ainda, imagino que, infelizmente, essas viagens jamais serão inventadas.

Então, estamos assim:
– as crianças testam limites
– têm ataques de birra em decibéis que nós nem imaginávamos serem possíveis
– e nós nunca vamos viajar no tempo, exceto pra frente, e um dia (ou fração de segundo) de cada vez.

Como o que não tem solução solucionado está, na próxima coluna eu tento resolver dois desses três problemas.


Estreia: Vida de Pai
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Renato Kaufmann

Vida de Pai

Ilustração: Eduardo Souzacampus

Um dia, eu estava distraído, pensando em quando eu iria parar de usar a bengala que me sobrou como consequência de um horroroso acidente de moto. E, nesse dia, a Ana, minha namorada na época, chegou de mansinho e disse que estava grávida.

Posso ser sincero? Eu quase surtei. De medo, insegurança, e pela sensação de estar perdendo o controle sobre a minha vida. O controle é uma ilusão, mas eu gostava dela. Me deu uma taquicardia horrorosa. E seu eu não fosse um bom pai? E se eu não desse conta? Será que estava mesmo na hora? Eu não estava pronto, afinal.

Ela me disse que teria o bebê, comigo ou sem. Nessa hora alguma coisa mudou em mim. Imaginei um pequeno descendente meu, solto nesse mundo, sem mim. E tive um impulso avassalador de proteger essa criaturinha, seja ela quem fosse. Foi meu primeiro instinto paterno de verdade. Sim, eu já era pai de dois gatos, Maotse Tung e Lacan, mas isso era diferente.

Do meu desespero (e pânico, pavor, aflição, insegurança e um nascente senso de paternidade) nasceu um blog, o www.diariogravido.com.br, onde eu comecei a falar de como eu me sentia, sem esconder nada. Há quem chame isso de sincericídio, e não sem razão. O blog cresceu e, a pedido dos leitores, vieram dois livros: o “Diário de um Grávido“, que conta como é a gravidez do ponto de vista masculino, e “Como Nascem os Pais“, sobre o impacto dos dois primeiros anos de uma menina na vida do seu despreparado pai.

O tempo passou: minha filha vai fazer quatro anos e eu nem acredito nisso. Ela cabia no meu antebraço e agora ela conversa sobre coisas. É uma alegria ímpar, mas aquela sensação inicial nunca mais me deixou. Ela só foi se transformando. Dizem que ter filhos é ter um coração fora de você, circulando por aí. É verdade. A gente não dorme direito nunca mais… só mudam as razões. Será que ela está respirando? Por que ela vomitou? Por que esse barulho? Por que esse silêncio? Por que pegou a chave do carro e não voltou ainda?

Vida de pai é uma vida sofrida. Eu tenho todas as preocupações que já tinha antes e mais um monte de outras novas. Não mudaria quase nada na minha história: nem o acidente de moto, um encontro com a morte que abriu as portas para a vida, nem a paternidade, que ignorou as tais portas e entrou derrubando todas as paredes. Sem paredes dá um frio danado, mas a vista é linda. E eu nunca fui tão feliz.

Assim, bem-vindos ao Vida de Pai. Nesse espaço, a ideia é contar as coisas que os pais não falam, as que a gente fala e parece que ninguém escuta, dizer algumas verdades, e, claro, algumas mentiras.

Pais de Todo Mundo, Zumbi-vos!


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