Vida de Pai

Papai Noel, velho batuta

Renato Kaufmann

feliz aniversário, papai noel. pode pegar o que quiser - leite, biscoitos e os presentes sob a árvore

ilustração: Eduardo Souzacampus

Na minha infância de menino judeu, muito antes de ser ateu, eu tinha uma certa inveja do Natal. Presente a gente também ganhava, de Chanucá, mas o Natal era mais divertido e tinha todo aquele ritual politeísta de entidades místicas. No aniversário de Jesus, que era quase um figurante, todos os olhos se voltavam para o Papai Noel.
 
Ele era onisciente e sabia tudo o que você fazia o tempo todo, a ponto de criar uma lista de bons e maus. Hoje, fico um pouco horrorizado com essa ideia, afinal, quem fica observando criancinhas em tempo integral, até no banho? Afe. Mas ele trazia presentes, para todo mundo e ao mesmo tempo.
 
A gente não tinha Natal em casa, mas eu sempre era convidado a passar com meus amigos, e adorava. Só que com uns cinco anos eu já tinha certeza que o Papai Noel que aparecia na sala era um parente de alguém, cuja insistência encachaçada em dizer que era mesmo o dito cujo insultava a minha inteligência infantil. Era tão falso quanto os monstros da noite do terror do Playcenter.
 
Com sete anos, eu pegava escondido da minha irmã o álbum de uma banda chamada Garotos Podres, que deixava claro, em letras bem explícitas, que o velho batuta presenteava apenas os ricos e era bem indiferente com os menos favorecidos. Sete anos e já preocupado com as diferenças sociais, ainda que dirigindo a indignação ao Papai Noel.
 
E pensando bem, esse barbudo, além de ficar observando as crianças de maneira deveras suspeita, é um baita maniqueísta, com a sua lista de bonzinhos e malvadinhos. Decidi que não simpatizava nada com essa figura e que ele não teria lugar por aqui.
 
Eis que surge a Lucia na minha vida, ela cresce e fica toda entusiasmada com o Natal. Eu já estava pronto pra contar tudo, que quem dá presentes são os pais, e que eles precisam trabalhar muito pra isso. A mãe da Lucia pediu pra segurar mais um pouco. Disse que o mundo da fantasia era importante pro desenvolvimento da criança, aquelas coisas. Resolvi topar.
 
Aí eu perguntei pra Lucia sobre o Papai Noel. Ela disse que ele era bonzinho e trazia presentes pras crianças. Falou com tanta doçura e brilho nos olhos que até eu fiquei emocionado, e se ele vai fazer os olhos da pequena brilharem desse jeito, torço pra que ele exista pra sempre, mas bem que ele poderia olhar pro outro lado na hora do banho.