Vida de Pai

Pai, o invisível

Renato Kaufmann

Pai Invisível

Ilustração: Eduardo Souzacampus

Pai é um cidadão de segunda categoria. As pessoas poderiam pensar que ele nem é necessário, sequer para a produção do bebê, tamanho o descaso com essa figura. Acreditem: ao contrário dos anjos e das bactérias, os seres humanos não se reproduzem por bipartição. “Engravidei virgem” e “foi o boto cor-de-rosa” são só técnicas de salvar a vida do vizinho. Cada uma com as suas vantagens: na história do boto, o pai existe, mas some no rio. E na outra, palmas para o José, pai é quem cria.

Nos ultrassons, o médico nem fala com você. Ok, o bebê está dentro da mãe, uma vida crescendo e se desenvolvendo lá, se alimentando dela. O mais perto que a gente chega disso é ter lombrigas. Mas ei, eu que coloquei esse bebê aí. Eu ou o leiteiro. Gente, como sou velho, acho que não existem mais leiteiros.

E a barriga? Todo mundo cumprimenta a grávida, passa a mão na barriga dela e diz parabéns. Eu sei que ia ser estranho se viessem passar a mão nas minhas… er… no meu… ahn… aparelho reprodutor e dar os parabéns, mas mesmo assim.

Na maternidade, dão para você uma pulseira azul, uma roupa de faxineiro e olhe lá. Eu sei que o papel do pai na sala de parto é não desmaiar, mas puxa, pai também sofre no parto. Custava me dar uma dose de morfina? Ou três? Ora essa.

E depois que o bebê nasce, o pai deixa de ser um cidadão de segunda e passa a ser um marido de terceira. Acreditem, isso passa. E, nessa hora, as coisas podem começar a mudar. Se antes a sua interação com o bebê se restringia a falar com uma barriga, agora você pode pegar no colo e chamar de seu.

Na primeira semana, a mãe da Lucia não queria me deixar dar banho. Ela dizia que queria dar o banho, mas, na verdade, desconfio que tivesse medo que eu derrubasse o bebê. E afinal, sou meio mão furada mesmo, o bebê está ensaboado e a situação toda é como sabonete na cadeia: derrubou, está ferrado. Mas a gente conversou e eu logo comecei a dar banho também. É muito legal.

Em alguns momentos, é bem capaz que tenha batido um arrependimento nela. Como quando descobriu que eu desenvolvi uma técnica pra virar o bebê na banheira com uma mão só. Funciona quase sempre. Ou quando viu que em vez de usar uma canequinha pra enxaguar o cabelo da pequena, eu usava uma panela cheia.

Agora a Lucia faz natação, ficou na banheira mostrando que aprendeu a mergulhar, e eu penso que a cena me parece bem familiar na verdade.