Vida de Pai

É mentira que brinquedo não tem idade
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Renato Kaufmann

godzilla

Ilustração: Eduardo Souzacampus

Todo mundo que já pisou descalço em uma pecinha de Lego, no meio da madrugada, sabe como é importante ensinar a criança a arrumar os seus brinquedos. Afinal, tão divertido quanto construir uma cidade é virar o Godzilla e destruir tudo. Arrumar, nem tanto. Por isso que, em filmes e desenhos de heróis, a gente nunca vê a equipe de limpeza.

Os pais podem tentar transformar a arrumação em uma atividade divertida, mas criança não é trouxa, ela logo percebe que algo está fora de lugar, e não são os malditos brinquedos compostos por centenas de pecinhas: “que canalha, você está tentando me educar, eu sei!”

Aí, comprei aquele jogo dos anos 80, o Genius, para a Lucia. A embalagem dizia a partir de 6 anos, mas é só memorizar e repetir sequências, e achei que ela ia se divertir. Depois da quarta tentativa, ela começou a se sentir frustrada. Experimentou apertar todos os botões. Brincou com as pilhas. Com as pilhas, vejam bem. Depois, a brincadeira era “vamos esconder o brinquedo e o outro precisa procurar, tááááá pai?”. E, finalmente, usou o negócio como um disco voador para o seu urso de pelúcia.

É, tem uma certa arrogância paterna em desconsiderar a idade sugerida do brinquedo. Lição aprendida. Aliás, imagino que a tal idade deveria ser 40 anos ou mais, porque já passei uma madrugada com esse negócio e não consegui terminar nenhuma sequência até o fim. Pelo menos, é fácil de guardar.


A manha é uma ilusão
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Renato Kaufmann

Um mágico nunca revela seu truque, a não ser que queira ver a associação dos mágicos tirar um processo da cartola.

Um dos princípios do ilusionismo é despistar a atenção. Enquanto você é levado a olhar pra um lado, o truque acontece do outro.

Tem situações, quando a criança faz manha, que seu papel não é convencer ela nem mostrar que está sendo irracional. Às vezes basta distrair, mudar o assunto, ou perguntar algo como “Nossa, o que esse gato está fazendo? Que gato maluco!''

Funciona como mágica.


A primeira piada
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Renato Kaufmann

Ou, tecnicamente, a primeira piada engraçada, já que a primeira, de verdade, foi ''pai, sabia que banana não tem caroço? hahahahah''.

Aí a Lucia está sentada na privada e diz assim:

– Pai, vou contar uma piada

– Conta

– Tem dois bolinhos no forno.
Um bolinho diz “está quente aqui hein”.
E o outro diz “AIMEUDEUS UM BOLINHO FALANTE!!”

Aí eu penso ''AIMEUDEUS QUE ORGULHO!''
Ela tem o humor infame da família.


Videogame na sala de aula
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Renato Kaufmann

Ilustração: Eduardo Souzacampus

Um dos jogos mais revolucionários já criados chama-se Portal. Nele, você tem uma arma que abre dois portais – entra em um e sai no outro, simples assim.

Todas as (outras) leis da física se mantém. No exemplo abaixo, o jogador precisa pular de uma certa altura, cair com velocidade dentro de um portal que colocou no chão, para sair com essa mesma velocidade de um portal que colocou na parede – e alcançar a plataforma, que é seu objetivo.

Pode parecer que o cara está fazendo xixi no portal. Eu gosto de acreditar que não está.

A história do jogo também é muito legal, menos se você for o tipo de pessoa que pula a narrativa pra cair direto na parte jogável dos games. Mas o que atraiu a atenção de professores de física e matemática não foi a história, e sim a chance de ensinar as crianças usando algo que elas tenham paixão por.

Na hora de lançar Portal2, os desenvolvedores já tinham em mente esse potencial para educação. Então eles lançaram também uma ferramenta que permite que você crie suas próprias fases, desafios e exercícios, e o site “Ensinando com Portais”, que traz planos de aula e recursos, ajudando os professores a integrarem o game e essas ferramentas ao currículo escolar.

Quando eu penso que a Lucia pode ter os videogames mais legais do mundo na escola e vai aprender mais rápido por causa disso, ou ao menos com mais prazer,  me dá uma inveja danada. Pro inferno, Ricardinho que comprou trinta laranjas e perdeu duas! Danem-se, trens indo em direções opostas a diferentes velocidades e onde eles se encontram no caminho!

Já até imagino o diálogo:
– Pai, sai desse videogame!
– Pô Lucia, eu tô quase passando de fase. Vai lá fazer a sua lição de casa, vai.
– Pai, isso aí que você está jogando é a minha lição de casa. Agora dá licença!

 

Enquanto as outras crianças resolvem matemática, o pequeno Joãozinho coloca um portal em frente ao outro e passa toda aula perseguindo seu próprio eu. Repetiu de ano apesar dos protestos do professor de artes.

 


Eu sou o Don Corleone de uma criança
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Renato Kaufmann

Afilhados são uma forma da natureza enganar a gente, fazendo parecer que filho não dá trabalho.  Afinal, é como um filho que você pode devolver a qualquer hora.

O meu, o Luca, me fez um desserviço, porque ele parecia japonês, e não tendo pais japoneses, me permitia toda uma gama de ótimas piadas sobre a sua origem. Agora, ele já parece mais com o seu pai e matou minha piada.

Como a gente só tem certeza da mãe, acho, ser parecido com o pai  deve ser uma forma evolucionária de evitar a defenestração de bebês por seus pais-homens-das-cavernas, ou qualquer que seja o nome do ato de atirar alguém ou alguma coisa pela entrada da caverna. Um teste de DNA ambulante.

A Lucia também tem um padrinho, que aliás é o pai do Luca. Quando ele pensa que ninguém está olhando, fica ensinando coisas pra ela como “Pai, troca o som que essas suas músicas são chatas”. Ainda mato esse desgraçado, dado que meu gosto musical é ótimo. Mas, quando precisa, ele se redime, inventando músicas pra ela, como   “eu não gosto da girafa”.
Não me canso de ver esse vídeo.

 

 


Mais rápido que o som, mais lento que o sono
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Renato Kaufmann

Quando a gente tem um bebê, ganha vários podres poderes, como a super audição. Você ouve seu filho chorar antes que a babá eletrônica consiga transmitir. Você ouve ele chorar à grandes distâncias. Raios, você ouve todos os bebês do prédio. Bebês aleatórios chorando a um raio de três quarteirões conseguem te dar sobressaltos no sono. Porcaria de superpoder

A Lucinha está com quatro anos. Outro dia acordei quando ela caiu da cama, antes mesmo dela começar a chorar. De manhã, ela levanta antes das sete e eu já desperto quando ela abre a porta do seu quarto, ou, no máximo, quando ela abre meu olho à força e grita no meu ouvido “ABE O OLHO PAPAI O SOL JÁ COIDOU. ACOIDA PAI ACOIDAAAAAAAAAA”.


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos
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Renato Kaufmann

ilustração: Eduardo Souzacampus

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(título: Fernando Pessoa)


De coleirinha ortopédica
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Renato Kaufmann

O médico tinha dito pra ela ficar uma semana sem ir pra escola, pra evitar novos impactos. Quinta à noite e ela já estava engatinhando no chão e pulando no sofá, toda sapeca. Incrível esse fator de cura das crianças. Físicos ou emocionais, a maioria dos machucados sara a olhos vistos.

Não tive dúvidas: vai pra escola sim. E sexta de manhã lá estava ela, de uniforme e coleira ortopédica, com uma flor que a gente desenhou no dia anterior. Foi toda feliz, com o ibuprofeno à tiracolo em uma bolsinha de coruja,. Ela se sente mais responsável levando o próprio remédio.

Chegando na escola, aquilo parecia uma corrida de caminhoneiros bêbados, criança correndo pra todo lado. Pronto, vão atropelar ela de novo. Me deu um frio na barriga. Um golpe duro na minha certeza paterna, mas afinal, certeza é um luxo. Vida de pai.


Amores brutos
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Renato Kaufmann

Aí a Lucinha veio dolorida da escola, não conseguia mexer o pescoço. Como não melhorou, levei ela pro hospital.

Fizemos raio-x, e falei que a gente ia tirar uma foto de dentro dela, que perguntou se ia precisar sorrir. Falei que não precisava, mas ela sorriu mesmo assim.

Saiu de lá com um colar de espuma, que vai ter que usar por uma semana.

E olha que irônico: ela se machucou quando seu querido príncipe correu em sua direção… mas sem olhar pra onde ia,  atropelou ela como um caminhão desgovernado.

O amor é mesmo um negócio violento.


Está tudo desenhado
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Renato Kaufmann

Ilustração: Eduardo Souzacampus

-O que é esse desenho, filha?
-Essa sou eu quando era pequena e tinha cabelo curto. E essa sou eu agora com cabelo comprido. Queria fazer esse desenho pra você no seu aniversário de quando você era pequeno, mas eu ainda estava na barriga da minha mãe. Por isso só fiz agora.

-E esse aí?
-Esse é um monstro de um olho só. E essa pequenininha sou eu, fugindo dele.
-E por que ele queria pegar você?
-Porque eu entrei na casa dele.
-E por que você entrou na casa dele, sua maluquinha?
-Eu queria ver as coisas dele. Mas tinha pouca coisa.

-E o desenho vermelho?
-Essa é a supermulher maravilha de plástico. Ela é uma super-heroína que fica muuuuito brava quando jogam plástico fora da lata vermelha.

-E esse?
-É uma coisa que você não sabe ainda.
-Filha, tem muita coisa que eu não sei, esse desenho teria que ser gigante.
– Mas eu só tinha esse papel, pai.

-E esse?
-Esse sou eu, você e a mamãe, quando a gente morava todo mundo junto. Mas agora eu tenho duas casas, né?
-Tem sim. Você e o Quinquin.
-Hahahaha, é mesmo, o Quinquin também.

-E esse daqui é o que?
-Esse sou eu e a Maricota, minha irmã. Eu tenho saudades dela.
-Eu também, filha, eu também. Vamos convidar ela pra almoçar com a gente?
-Vamos! Ebaaaaa!