Momentos perdidos
Renato Kaufmann
Ah, aqueles dias que a gente chega do trabalho e os filhos já estão dormindo. A gente se segura pra não ir acordar a criança e fica ali no quarto dela, olhando ela dormir um pouco, com o coração apertado…
Esse aqui é um texto que eu escrevi em março, lá no Diário de um Grávido, mas vira e mexe ainda me sinto assim:
“Eu tenho passado bastante tempo com a Lucia, e tem sido ótimo (e cansativo, confesso), mas, neste fim de semana, tive que trabalhar. Estaria tudo bem (dentro do que pode estar bem se você está trabalhando no fim de semana), se não fosse por uma mensagem da minha mãe, doce até, dizendo que a Lucia estava rindo de felicidade porque aprendeu a andar de triciclo sozinha.
Me bateu um desespero horroroso, como se eu estivesse perdendo os melhores momentos dela, aqueles que são marcos na vida da criança, de estar na agência enquanto minha filha ficava exultante de felicidade com as suas novas conquistas. Fiquei em crise, trabalhar pra quê? Pra perder isso?
Só consegui buscá-la bem de noite e ela já estava dormindo, o que por si só já é duro. Coloquei a pequena no carro, e meio sonâmbula, falou que foi muito divertido na vovó dela. Eu disse que estava com saudades e ela respondeu, sem abrir os olhos, ''eu também, papai''.
Meus olhos encheram de ciscos. Súbito, apesar de todas as perdas, me pareceu uma troca justa: eu trabalho porque eu quero que ela tenha tudo que merece, e um pouco mais. Se eu tiver que morar debaixo da ponte, problema meu, mas ela? Não. E quando me disse que estava com saudades, estava dizendo que eu estava ali sim, mesmo que não tivesse tido essa intenção e fosse só uma sonâmbula falante. Fiquei ali alguns minutos com a porta aberta, olhando essa menininha na cadeirinha do carro, que tinha acabado de conquistar mais uma independência. Lucia, que cabia no meu antebraço.
Tirei os ciscos e me dei conta de algo que já sabia, mas só racionalmente: tudo que eu faço, faço pra ela ter momentos como esse. E que ela, sem perceber, só de dizer que tinha saudades, me deu um imenso abraço com palavras.
Um que eu estava realmente precisando.”