Vida de Pai

“Adeus e obrigado pelos peixes”
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Renato Kaufmann

Este é meu último post aqui. Colunas e filhos a gente cria pro mundo, mas, na hora do tchau, a gente não larga, fica sentimental, então para disfarçar…

''Queridos filhos. Papai Renato e Mamãe Uol sempre vão ser ótimos amigos, só que…'' Hmm. ''Queridos filhos. Papai Renato e Titio Uol…'' Nhé. ''Queridos filhos, às vezes um escritor e um veículo se gostam muito, mas…''

Será que ainda dá pra trocar de figuras? “Crianças, depois do cerco de Stalingrado, nosso avião caiu nos Andes, e então nós…“

Ah, foi bem bom esse tempo. A equipe do Uol foi muito fera, profissionais de uma gentileza ímpar. Teve o Eduardo Souzacampus fazendo essas ilustrações fantásticas, que aliás vou enquadrar e pendurar na parede de casa. E um monte de leitores, alguns silenciosos, outros mais vocais, mas que leram, comentaram e deram milhares de compartilhamentos. Queria pendurar vocês na parede de casa também. O carinho nesses meses todos seria de causar rubor, se eu ainda corasse. Ou seja, estive em excelente companhia aqui.

Como detesto despedidas, deveria terminar o texto à francesa, que é a única forma válida de se despedir, se bem que isso vale para festas e para o Batman, mas nunca, notem, nunca para crianças. E talvez não funcione em textos.

Pra quem curtiu a coluna, esse despreparado pai continua escrevendo, e babando por sua princesinha, no Diário de um Grávido, um blog que começou quando ouvi a notícia ''estou grávida'', deu origem a dois livros, Diário de um Grávido e Como Nascem os Pais, e que, como qualquer primogênito, morre de ciúmes do caçula, que passa a ser a fan page.

''Então, na primavera, quando as flores se abrem, as abelhas e os pássaros, mas não as cegonhas, isso, todos os pássaros menos as cegonhas…'' Quase. ''Nenhuma coluna é uma ilha, e quiropratas não são barcos. Quando um torrão de texto é engolido pelo mar…''

E enquanto todos procuram significado em analogias convenientemente dadaístas, o colunista evade-se discretamente. Ele acha que é o Batman.


Frases comuns
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Renato Kaufmann

Tem frases cuja frequência no nosso vocabulário aumenta muito após a paternidade.

Elas incluem ''Eca'', ''Não pode'', ''E agora?'' e ''Claro que ficou lindo''.

Mas tem uma que assombra os pais desde a notícia da gravidez até a época de volta às aulas, transporte escolar e afins:  ''PERAÍ, QUANTO?????''


Volta às aulas
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Renato Kaufmann

Foi assim que eu me senti quando repeti a terceira série.

Ilustração: Eduardo Souzacampus

A primeira sensação quando voltam as aulas das crianças é de alívio. Porque se você precisa trabalhar fora, as férias são um período complicado de gerenciar, e o retorno da rotina é mais que bem-vindo.

Só que a volta às aulas também é um daqueles períodos de saltos quânticos. “Pai, o que é salto quântico”? Vendo as outras crianças da classe, enormes, a gente se dá conta do quanto a nossa cresceu. É como se fossemos o Capitão América, congelado por décadas, de repente acordando para um mundo bem diferente daquele em que a gente dormiu.

A Lucia agora fala um monte de palavras complicadas, faz perguntas inteligentes e tem uma curiosidade sobre o mundo que me deixa vermelho de orgulho, ou sei lá qual é a cor do orgulho. Às vezes, tropeço nas sinestesias. “Pai, o que é sinestesia?”

Durante as férias, eu e a minha pacotinha brincamos bastante com letras, aplicativos de alfabetização e ficamos escrevendo o nome dela pra ela treinar copiando cada letra.

Quando a mãe dela me disse que a Lucia, espontaneamente, sentou pra desenhar e escreveu o próprio nome, me deu uma invejinha, queria muito ter visto esse momento. Simbolicamente, acho muito profundo esse primeiro escrever do próprio nome. Apesar de não ter estado lá, fiquei verde de orgulho mesmo assim. “Pai, o que é daltônico para emoções?”.

Não sei se é assim com pais dentistas “Olha querido, o Joãozinho arrancou três dentes do coleguinha”, mas como eu e a mãe da Lucia vivemos de escrever, é uma ocasião especial. O fruto não cai longe da árvore, mas claro que, se a árvore estiver em uma ladeira, ninguém sabe aonde o bendito fruto vai parar.


A maior cachorrada
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Renato Kaufmann

Estou com a pequena no carro e tem um monte de cachorros de rua atravessando na faixa. Ela diz “olha pai!” e respondo “nossa, é uma verdadeira matilha.”

“O que é matilha, pai?”. Todo nerd, digo “é o coletivo de cachorros; quando tem um monte de cachorro junto, a gente fala assim. O coletivo de lobo é alcateia e o coletivo de pássaros é bando” respondi, esgotando meu vocabulário.

Ela pergunta: “e o coletivo de pessoas, qual é?”. Nessa hora, não resisti em dar uma de Pai do Calvin, um dos meus ídolos,  respondi “Ônibus!!!” e fiquei rindo sozinho que nem bobo.


Qual a dica mais útil do mundo?
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Renato Kaufmann

Todo mundo tem um monte de conselhos legais sobre gravidez e filhos pequenos.

Um que me ajudou muito quando a Lucia era pequena foi ''pegue a fralda, lencinho e pomada ANTES de começar a trocar o bebê, já que é muito mais difícil ir buscar quando você está com um bebê melecado, agitado e fazendo xixi no teto – e não vale deixar a criança sozinha no trocador nem por um segundo''.

Outro que foi importante durante a gravidez: ''Sério, se você fugir pro Alasca vai ser pior. E muito mais frio. Melhor encarar.''

E vocês? Qual foi a dica mais útil que vocês já receberam?


Timidez
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Renato Kaufmann

Ilustração: Eduardo Souzacampus

Eu sempre fui tímido, e quando era criança, beirava o ridículo. Hoje, isso ganharia um nome bacana, como fobia social, mas, na época, acho que as opções seriam apenas frescura ou covardia.

Toda vez que o elevador para em um andar, abrem-se as cortinas para o mundo. E para mim, era especialmente assustador. Eu tinha até um pesadelo recorrente em que todos os cantos do elevador onde dava pra se esconder estavam ocupados, e quando a porta abrisse, em geral em um andar que não existia, como o 3o subsolo, eu estaria ferrado. O 3o subsolo era habitado por monstros, marcianos e vizinhos.

E eu morava no último andar, cujo botão ficava totalmente fora do meu alcance. Para não ter que pedir que apertassem pra mim, aprendi a escalar a parede do elevador e apertar eu mesmo.

Quando mudei de cidade foi ainda pior. Eu ia pra pracinha da rua, mas não tinha coragem de ir falar com as outras crianças, então ficava “estudando” um ninho de insetos na árvore, como se fosse um especialista em insetos ou árvores ocupado com meu trabalho.

Não mudei muito. Em um bar ou festa, fico analisando meu copo ou observando as pessoas, como se fosse um antropólogo recém-chegado do espaço sideral. Minha timidez só desaparece por escrito ou um gole antes de entrar em coma alcoólico.

Outra coisa que desaparece são os meus gatos. O Maotse Tung é supertímido, enquanto o Lacan é todo soltinho. Quando vem gente em casa, o Mao some pra dentro de uma cadeira, cama ou armário. Considerando que ele come o estofamento dos móveis, deve ser estranho conviver assim com uma coisa que serve de alimento e abrigo. Ou talvez seja uma sensação uterina de proteção.

O Lacan pede atenção o tempo todo, mas é uma armadilha: ele vai ronronar por dez segundos e depois retalhar o seu colo. O Mao quase nunca pede, mas, se você conseguir pegá-lo, ele se derrete como um bebê.

Quando eles eram filhotes, eu corria atrás deles pela casa e eles se escondiam dentro do fogão, como um porquinho da índia. E quando a Lucia era um filhote de macacãozinho cor-de-rosa, engatinhava em alta velocidade atrás deles pela casa (hah, engatinhava). Como resultado, onde ela for, eles vão pra direção oposta. Se pudessem, se esconderiam dela até no elevador.

Afinal, como eu, a Lucia também fica envergonhada no elevador. Ela fica ali dançando até abrir a porta e aparecer alguém, então corre e se esconde atrás de mim. Às vezes, ela fala alguma coisa ali, eu pergunto se ela é um pum falante e a mocinha morre de rir. Alguns dias ela não conversa nem amarrada e fica olhando pras pessoas com seus olhões arregalados. Outros ela sai e puxa assunto, e eu fico todo orgulhoso da pequena.


Namorando escondido
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Renato Kaufmann

Aí vi aqui na home de gravidez e filhos a pergunta: “Seu filho está namorando escondido?”

Primeira reação: hahahaha, imagina isso.
Segunda reação: não, espera, o quê???

Como pai de menina, tento gastar todo meu ciúme agora, em situações fictícias, pra quando chegar a hora estar dessensibilizado. E isso com a ideia de namorar – a de namorar escondido parece ser ainda pior.

Nunca me esqueço da conversa que eu tive com meu então sogro, pai de três moças, quando a Lucia nasceu:

– O que você faz quando aparece o primeiro desgraçado tocando a campainha atrás da sua filha?

– Bom, você dá graças a deus que finalmente um deles resolveu tocar a campainha, em vez de entrar pela janela.


Síndrome de abstinência
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Renato Kaufmann

Quatro dias sem ver a filhota já bastam pra me dar um imenso buraco na asa em forma de Lucia, uma sensação tão grande de casa vazia que sequer colocar energético na água dos gatos resolve.

Hoje acordei com um movimento e abri os olhos sonolentos, crente que ia ver a Lucia tentando subir na minha cama, como ela faz quando quer me arrancar dela, mas eram só os gatos, com um miado que, tenho certeza, era pra me avisar que eles deixaram uma gazela morta na sala, e possivelmente alguns antílopes também.


Segundas, penitenciárias e pontes
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Renato Kaufmann

ilustração: Eduardo Souzacampus

Existem pessoas que amam as segundas-feiras, começo de semana, aquela chance de colocar em prática as resoluções – ou compensações – do fim de semana, começar dietas e afins. Já eu me encontro no mesmo time de um certo gato laranja que não é tão fã da data, pra dizer o mínimo.

Janeiro é como se fosse a segunda-feira do ano – hora de colocar em prática todas aquelas resoluções de ano novo, e, claro, falhar miseravelmente nisso. Por essas e outras, a minha resolução para os inícios de calendário tem sido a de não fazer resolução alguma. Afinal, nada como um bom paradoxo pra começar o ano.

Até porque o mais importante já está resolvido, que é a vida com a minha filhota. Eu fico metade do tempo com ela, faço questão, e morro de saudades quando a pequena está longe. Mas para aumentar esse tempo juntos, só se eu desse sumiço na mãe dela, o que seria péssimo, em especial se eu fosse descoberto. Aposto que ninguém iria me visitar na cadeia.

Ou largar o emprego. Trabalhar menos seria ótimo, mas escola de criança e uísque não se pagam sozinhos, e no fim, a gente faz o que tem que fazer. Aposto que não iriam me visitar embaixo da ponte.

Restam aquelas coisas como “fazer exercício” e “se alimentar melhor”, coisas que ajudam a ter uma vida mais longa. E claro que eu quero uma vida longuíssima, ver a Lucia crescer e escrever um trabalho que além de curar o câncer, vai ganhar um Nobel de literatura, mas, a essas alturas do campeonato, entrego minha longevidade para os avanços da medicina, e é bom inventarem um milagre o quanto antes.

Aí, só sobra uma coisa: parar de falar mal das segundas-feiras. E, como com qualquer resolução desse tipo, na outra segunda, eu começo.


Férias tranquilas
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Renato Kaufmann

Tem muita gente dando dicas para as férias, que aliás parecem não acabar nunca.
Melhor ainda, esse produto revolucionário pode ser útil para muita gente: