Hora da história
Renato Kaufmann
Quando eu era criança, minha mãe contava muitas histórias pra gente. Mas tinha um tipo de história que eu gostava mais que de todos os outros – as do Quinquin. Por alguma razão, eu me identificava com ele.
Em uma, o Quinquin tinha brigado com os irmãos. Em outra, ou outras, fez xixi na cama. Quinquin ia visitar a avó dele. E que coincidência que eu tivesse passado por aquilo há poucos dias. Uau. Eu e o Quinquin, tudo a ver.
Com a Maria, minha enteada, eu tinha uma versão disfarçada – eram histórias de piada. Se a galinha quisesse atravessar a rua, ela precisava enfrentar uma jornada do herói digna de Campbell, cheia de perigos e crescimento, desertos, coincidências… e mais desertos. Às vezes, ela dormia antes de todo mundo sair da areia. E tinham as piadas de louco, que davam um exercício quase dadaísta.
Minha mãe continuou a sua tradição com o Samuel, meu sobrinho. Um dia, a mãe do Quinquin apareceu e contou pra ele uma história. Uma história de Samuel. O menino arregalou o olho e ganhou um belo nó na cabeça, tentando descobrir quem era o sábio chinês e quem era a borboleta.
E eu, quando descobri que minha mãe contava histórias do Quinquin pra Lucia, de súbito me lembrei dele. Sabe aquela sensação de quando aquilo em que você não pensava há anos volta de repente à sua cabeça? E minha primeira reação foi: “ahhhh, eu também quero!”
Assim, reapareceu o Quinquin. Ele ganhou um triciclo. Fez arte na escola. Por conta da separação, ele tinha duas casas, “nossa, duas casas, que legal, hein Lucia” e ela de olhão arregalado querendo mais histórias. Semana passada, ele caiu da cama. Ela ficou surpresa e levantou a sobrancelha: “ahhh, eu também caí da cama”.
Talvez ele esteja com os dias contados, e a Lucia perceba o truque mais cedo que eu. Ela é muito esperta, enquanto eu mal desconfio de coisas como “um dia, o Quinquin não queria mais fazer a barba”.
“Então, o Quinquin escreveu um texto agradecendo a mãe dele por trazer um personagem tão querido para a nossa família.” Ei, espera aí!