Estreia: Vida de Pai
Renato Kaufmann
Um dia, eu estava distraído, pensando em quando eu iria parar de usar a bengala que me sobrou como consequência de um horroroso acidente de moto. E, nesse dia, a Ana, minha namorada na época, chegou de mansinho e disse que estava grávida.
Posso ser sincero? Eu quase surtei. De medo, insegurança, e pela sensação de estar perdendo o controle sobre a minha vida. O controle é uma ilusão, mas eu gostava dela. Me deu uma taquicardia horrorosa. E seu eu não fosse um bom pai? E se eu não desse conta? Será que estava mesmo na hora? Eu não estava pronto, afinal.
Ela me disse que teria o bebê, comigo ou sem. Nessa hora alguma coisa mudou em mim. Imaginei um pequeno descendente meu, solto nesse mundo, sem mim. E tive um impulso avassalador de proteger essa criaturinha, seja ela quem fosse. Foi meu primeiro instinto paterno de verdade. Sim, eu já era pai de dois gatos, Maotse Tung e Lacan, mas isso era diferente.
Do meu desespero (e pânico, pavor, aflição, insegurança e um nascente senso de paternidade) nasceu um blog, o www.diariogravido.com.br, onde eu comecei a falar de como eu me sentia, sem esconder nada. Há quem chame isso de sincericídio, e não sem razão. O blog cresceu e, a pedido dos leitores, vieram dois livros: o ''Diário de um Grávido'', que conta como é a gravidez do ponto de vista masculino, e ''Como Nascem os Pais'', sobre o impacto dos dois primeiros anos de uma menina na vida do seu despreparado pai.
O tempo passou: minha filha vai fazer quatro anos e eu nem acredito nisso. Ela cabia no meu antebraço e agora ela conversa sobre coisas. É uma alegria ímpar, mas aquela sensação inicial nunca mais me deixou. Ela só foi se transformando. Dizem que ter filhos é ter um coração fora de você, circulando por aí. É verdade. A gente não dorme direito nunca mais… só mudam as razões. Será que ela está respirando? Por que ela vomitou? Por que esse barulho? Por que esse silêncio? Por que pegou a chave do carro e não voltou ainda?
Vida de pai é uma vida sofrida. Eu tenho todas as preocupações que já tinha antes e mais um monte de outras novas. Não mudaria quase nada na minha história: nem o acidente de moto, um encontro com a morte que abriu as portas para a vida, nem a paternidade, que ignorou as tais portas e entrou derrubando todas as paredes. Sem paredes dá um frio danado, mas a vista é linda. E eu nunca fui tão feliz.
Assim, bem-vindos ao Vida de Pai. Nesse espaço, a ideia é contar as coisas que os pais não falam, as que a gente fala e parece que ninguém escuta, dizer algumas verdades, e, claro, algumas mentiras.
Pais de Todo Mundo, Zumbi-vos!