Vida de Pai

Volta às aulas

Renato Kaufmann

Foi assim que eu me senti quando repeti a terceira série.

Ilustração: Eduardo Souzacampus

A primeira sensação quando voltam as aulas das crianças é de alívio. Porque se você precisa trabalhar fora, as férias são um período complicado de gerenciar, e o retorno da rotina é mais que bem-vindo.

Só que a volta às aulas também é um daqueles períodos de saltos quânticos. “Pai, o que é salto quântico”? Vendo as outras crianças da classe, enormes, a gente se dá conta do quanto a nossa cresceu. É como se fossemos o Capitão América, congelado por décadas, de repente acordando para um mundo bem diferente daquele em que a gente dormiu.

A Lucia agora fala um monte de palavras complicadas, faz perguntas inteligentes e tem uma curiosidade sobre o mundo que me deixa vermelho de orgulho, ou sei lá qual é a cor do orgulho. Às vezes, tropeço nas sinestesias. “Pai, o que é sinestesia?”

Durante as férias, eu e a minha pacotinha brincamos bastante com letras, aplicativos de alfabetização e ficamos escrevendo o nome dela pra ela treinar copiando cada letra.

Quando a mãe dela me disse que a Lucia, espontaneamente, sentou pra desenhar e escreveu o próprio nome, me deu uma invejinha, queria muito ter visto esse momento. Simbolicamente, acho muito profundo esse primeiro escrever do próprio nome. Apesar de não ter estado lá, fiquei verde de orgulho mesmo assim. “Pai, o que é daltônico para emoções?”.

Não sei se é assim com pais dentistas “Olha querido, o Joãozinho arrancou três dentes do coleguinha”, mas como eu e a mãe da Lucia vivemos de escrever, é uma ocasião especial. O fruto não cai longe da árvore, mas claro que, se a árvore estiver em uma ladeira, ninguém sabe aonde o bendito fruto vai parar.