Vida de Pai

Timidez

Renato Kaufmann

Ilustração: Eduardo Souzacampus

Eu sempre fui tímido, e quando era criança, beirava o ridículo. Hoje, isso ganharia um nome bacana, como fobia social, mas, na época, acho que as opções seriam apenas frescura ou covardia.

Toda vez que o elevador para em um andar, abrem-se as cortinas para o mundo. E para mim, era especialmente assustador. Eu tinha até um pesadelo recorrente em que todos os cantos do elevador onde dava pra se esconder estavam ocupados, e quando a porta abrisse, em geral em um andar que não existia, como o 3o subsolo, eu estaria ferrado. O 3o subsolo era habitado por monstros, marcianos e vizinhos.

E eu morava no último andar, cujo botão ficava totalmente fora do meu alcance. Para não ter que pedir que apertassem pra mim, aprendi a escalar a parede do elevador e apertar eu mesmo.

Quando mudei de cidade foi ainda pior. Eu ia pra pracinha da rua, mas não tinha coragem de ir falar com as outras crianças, então ficava “estudando” um ninho de insetos na árvore, como se fosse um especialista em insetos ou árvores ocupado com meu trabalho.

Não mudei muito. Em um bar ou festa, fico analisando meu copo ou observando as pessoas, como se fosse um antropólogo recém-chegado do espaço sideral. Minha timidez só desaparece por escrito ou um gole antes de entrar em coma alcoólico.

Outra coisa que desaparece são os meus gatos. O Maotse Tung é supertímido, enquanto o Lacan é todo soltinho. Quando vem gente em casa, o Mao some pra dentro de uma cadeira, cama ou armário. Considerando que ele come o estofamento dos móveis, deve ser estranho conviver assim com uma coisa que serve de alimento e abrigo. Ou talvez seja uma sensação uterina de proteção.

O Lacan pede atenção o tempo todo, mas é uma armadilha: ele vai ronronar por dez segundos e depois retalhar o seu colo. O Mao quase nunca pede, mas, se você conseguir pegá-lo, ele se derrete como um bebê.

Quando eles eram filhotes, eu corria atrás deles pela casa e eles se escondiam dentro do fogão, como um porquinho da índia. E quando a Lucia era um filhote de macacãozinho cor-de-rosa, engatinhava em alta velocidade atrás deles pela casa (hah, engatinhava). Como resultado, onde ela for, eles vão pra direção oposta. Se pudessem, se esconderiam dela até no elevador.

Afinal, como eu, a Lucia também fica envergonhada no elevador. Ela fica ali dançando até abrir a porta e aparecer alguém, então corre e se esconde atrás de mim. Às vezes, ela fala alguma coisa ali, eu pergunto se ela é um pum falante e a mocinha morre de rir. Alguns dias ela não conversa nem amarrada e fica olhando pras pessoas com seus olhões arregalados. Outros ela sai e puxa assunto, e eu fico todo orgulhoso da pequena.