Vida de Pai

Surdez Musical

Renato Kaufmann

Vida de Pai: baterista

Ilustração: Eduardo Souzacampus

Eu adoro música. Infelizmente, até campainha desafina quando eu toco. Me faltam algumas coisas básicas, como coordenação motora, ritmo e a capacidade de diferenciar as notas musicais. Assim: quando eu canto do-ré-mi-fá, elas parecem diferentes umas das outras, por comparação. Agora, o conceito de que uma música toda possa ser em ''Si bemol'' ou ''Lá sustenido'' me escapa por completo.

Dó é uma sensação de pena. É quando a Lucia fala ''mas que peninha de galinha''. Ré é quando o carro anda lá pra trás até acertar uma parede. Mi é o som que o meu gato faz, o Lacan. Ele mia pela metade. Fá, sei lá, é a letra de Psycho Killers.  Sol obviamente é um anão amarelo com plasma quente entrelaçado com campos magnéticos. Lá é um lugar que não é aqui e portanto pode ser o Sol. Si é uma coisa, assim, autocentrada. E dó (não sei porque sempre repetem dó no final) é o que as pessoas sentem ao me ouvir cantar.

Menos a Lucia. Como eu faço lavagem cerebral desde pequena (leia-se cantar pra ela), ela não reclama que eu canto mal, apesar de muitas vezes se irritar com a minha escolha de músicas, ou com o fato que, sem lembrar direito da letra, eu acabo inventando um pouco. Ela fica irritada e me corrige: ''O galo não usa mocotó, paaaaaai''

Um ano atrás, ela ganhou uma bateria de presente. Não sei se é talento dela ou falta de discernimento minha, mas acho tudo de uma sonoridade ímpar. E, nas horas vagas, o prato da bateria serve outro tipo de refeições.