Vida de Pai

Arquivo : outubro 2012

Quem programa seus filhos?
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Renato Kaufmann

Vida de Pai - quem programa seus filhos?

Ilustração: Eduardo Souzacampus

Vamos dominar a tecnologia ou vamos ser dirigidos por quem a domina? Hoje em dia, tem cada vez menos gente que acredita em tudo que vê na TV. Só que quando o assunto é tecnologia, ainda acham que ela é neutra.

As pessoas se esquecem que existe todo um conjunto de valores embutidos em qualquer programa de computador. Quando a gente introduz tecnologia na vida das crianças, lembrar disso é mais importante que nunca. Ao usar um software, você está sendo impactado pelos valores e pela visão de mundo de quem o criou.

Lembram daquele jogo “Sim City”? Todo mundo acha que ele é simulador de cidades, da mesma forma que Flight Simulator é um simulador de avião. Na verdade, o jogo é a expressão dos valores e da visão de mundo dos seus criadores. Por exemplo, se você aumenta os impostos, as pessoas se revoltam. Mas não é assim em todo lugar – como nos países nórdicos, em que os impostos são altíssimos, mas o padrão dos serviços do estado, e a qualidade de vida, também.

No começo da era da computação, todo mundo que usasse um computador estava programando. A ferramenta estava aberta. Com o avanço dos computadores pessoais, e agora, com smartphones e tablets, estamos virando apenas consumidores de tecnologia pronta. Por exemplo, nós passamos a ver certas redes sociais como uma forma de nos conectarmos com amigos, e esquecemos que elas são feitas por empresas, com intuito de monetizar nossas conexões com amigos. 

A tecnologia vai continuar mudando radicalmente nossa sociedade. E quem vai dirigir essas mudanças?

Douglas Rushkoff escreveu em seu livro, “Programe ou seja programado”, que ou nós escolhemos dirigir a tecnologia, ou vamos ser dirigidos por aqueles que a dominam.  “Escolha a primeira opção”, ele diz, “e você tem acesso ao ‘painel de controle’ da civilização. Escolha a segunda, e essa pode ser a última escolha de verdade que você faz.”

Não que todo mundo deva ser um programador, longe disso, mas é muito importante entender que existe uma programação,  treinar um olhar crítico, saber que em cada programa existem escolhas entre vários caminhos possíveis.  Olhar para a tecnologia e pensar que isso “é o que tem” é como olhar para o noticiário e achar que aquelas são necessariamente as notícias mais importantes, quando, na verdade, aquela é a escolha das notícias que um grupo de pessoas julgou mais importante.

Pensando nisso, separei três dicas para crianças e adultos:

1) Cargo Bot
Um jogo em que você precisa programar um braço-robô e resolver uma série de desafios. Excelente para aprender princípios básicos de lógica e programação. As fases iniciais são acessíveis para crianças, já que começa fácil e vai ficando realmente desafiador. Eu atolei no intermediário e estou prestes a arremessar o iPad pela janela,  voltar para o mato e viver numa caverna. Ao menos já entendi porque programador bebe tanto café – é um desafio intelectual viciante.

2) Tiny tap
Um aplicativo muito simples que permite que você crie os seus próprios jogos infantis no iPad. Eu fiz um pra Lucia, usando fotos nossas, e gravando a minha voz nas perguntas e nas respostas, certas e erradas. Mostrei e ela se divertiu muito. Pediu mais. Agora quero fazer um jogo mais complexo, afinal, ela está mais esperta a cada dia e “onde está o nariz” ficou fácil demais. Ou vou ensinar ela a fazer seu próprio joguinho.

3) Programe ou seja programado – por Douglas Rushkoff
Infelizmente, esse livro só tem em inglês, mas vale a leitura. O Rushkoff, que foi meu professor no mestrado e é um cara bem polêmico, mostra como entender  a tecnologia pode transformar a sociedade, para muito além de clicadas em curtir e atualizações de status.


Livros para pais
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Renato Kaufmann

como nascem os pais

Partindo da falsa premissa que pais têm tempo para leitura, seguem aqui três sugestões:

Coração de Pai – José Ruy Gandra
Um livro cheio de alma, lições e inspirações. Lágrimas também. Faz jus ao sub-título “histórias sobre a arte de criar filhos”.

Porque Almocei Meu Pai – Roy Lewis
A história da evolução do homem, contada como a vida de uma família de homens-macaco há dois milhões de anos. O livro tem sólidas bases científicas e aquele ótimo humor inglês. Na verdade não é um livro exatamente para pais, todo mundo pode gostar, mas como tem pai no nome, achei que ia ficar bonito nessa lista.

Como Nascem Os Pais – Renato Kaufmann
“Esse livro é muito bom. Meu filho nunca mentiu na vida. Nem eu. É genético” – A mãe do autor
“O livro é ótimo e é tudo verdade. Eu sei disso, porque eu existo” – Papai Noel
“Só porque a Lucia nasceu azul, e ele está azul na capa, você acha que eu tenho algo a ver com isso? Aliás, porque aqui só tem depoimento de parentes, seres imaginários, e possivelmente, parentes imaginários?” – Papai Smurf

E, claro, esta elaborada farsa não estaria completa sem um book trailer de um dos livros, escolhido, digamos, aleatoriamente:


O movimento dos sem-mingau
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Renato Kaufmann

Vida de pai separado é assim, tem coisas lindas que a gente fica sabendo depois. A Ana, mãe da Lucia, mandou a seguinte história:

“Uma amiga me deu uma receita de mingau de banana com aveia que aumenta a produção de endorfininhas. Propus pra criançada e fiz potes como do contos de fadas: um grande pro papai urso, um médio pra mamãe ursa e três pequenos pros ursinhos criança.

Deixei na pia à noite, pra esfriar pro café, e pra fazer uma graça desenhei uma placa: ‘Proibida a entrada de Cachinhos de Ouro’. De manhã, todo mundo pulou cedo da cama pra verificar o mingau. Eu disse, olhem, o aviso funcionou!

A Lucia olhou e falou assim: ‘Mãe, a Cachinho de Ouro não existe. Se ela viesse aqui, ela tocava a campainha, a gente abria, dava um potinho de mingau pra ela também, assim ela não comia o de nenhuma outra pessoa, só o dela. E ela podia morar com a gente, se não tiver casa pra ela. Mas não na minha cama.”


1460 dias com a pequena Rapunzel
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Renato Kaufmann

Vida de Pai - a torre da Rapunzel

Ilustração: Eduardo Souzacampus

Esta semana, a Lucia faz quatro anos de idade. Ela era um bebê e cabia no meu antebraço, e agora é essa miniatura de ser humano que conversa comigo e fala coisas incríveis.

Lembrei de cada um dos aniversários. No primeiro, ela estava com um vestido de joaninha. Me parecia improvável que já tivessem passado 21 meses que ela deixou o aquecido labirinto do meu epidídimo, e de todos os lugares possíveis, tenha tido a sorte de parar na acolhedora barriga de sua mãe.

Nesse primeiro aniversário, eu escrevi: “Com uma filhota, o mundo fica cheio de pequenas conquistas, a gente comemora o primeiro cocô saudável e também o mais recente, mas trocamos ambos com o mesmo asco. O de hoje, primeiro da nova idade, grudou em tudo, inclusive na minha mão. Precisei encarar como um boa sorte de teatro pra não arremessar horrorizado a fralda no teto e o bebê de bunda na parede, onde ficaria grudado, e fingir que não vi nada até a empregada chegar.”

No segundo ano, eu escrevi uma carta pra ela: “Querida Lucia, nestes seus dois anos, eu descobri mais coisas sobre a vida que nos últimos 20. Quando você veio, eu me preocupava se eu saberia te ensinar, e mal desconfiava o quanto teria pra aprender.”

Em um piscar de olhos, ela fez três anos. “Era uma notícia. Virou um feijão. Um feijão mágico, com quatro pixels piscantes no meio, que o médico chamou de coração. Virou um teste de Rorschach. Virou um 4D em que só se comentava o nariz. Virou uma coroa de cabelos aparecendo por entre camadas de pele, alavancada por um garfo de churrasco e fez plop.”

Súbito, quatro anos. É sempre rápido assim? Esse vai ser de Rapunzel, e a fila dos pretendentezinhos só aumenta. Vou mandar um por um para a Legião Estrangeira. Em todos os aniversários dela, eu me dou conta do presente – não aquele que eu esqueci de comprar, mas o que ela deu pra mim. É uma frase atribuída ao Paul Valery: “Feliz é o homem que, ao acordar, se reencontra com prazer e se reconhece como aquele que gosta de ser”. Pois eu gosto de ser o pai da Lucia, e a cada aniversário que passa, isso é mais verdade do que nunca.