Vida de Pai

Pai de menina

Renato Kaufmann

Pai de menina

Ilustração: Eduardo Souzacampus

Tudo começa no dia em que você descobre que o pãozinho no forno é uma menininha. O futuro pai passa por uma transformação Kafkiana e acorda do lado errado da piada, como se tivesse virado um português ou um papagaio. Sim, as piadas agora são com você.

Três personagens frequentes infernizam a vida do pai de menina. Tem o amigo humorista, aquele sem imaginação dos infernos, que vem dizer que você passou de consumidor a fornecedor. Até os homens das cavernas achavam essa piada velha. Tem também o pretendente infantil, que não desiste nem se a gente trancar a menina em uma torre. E tem o pior deles, o amigo-pretendente, aquele seu camarada desprovido de noção, que emite frases como “Hmmmm… sua filha quando crescer hein”. É ou não é pra matar um sujeito desses?

A Lucia sempre teve candidatos a seu coraçãozinho, e assim, inevitavelmente, teve um menino que ela começou a chamar de meu príncipe. Como nada é tão ruim que não possa piorar mais tarde, um dia, no carro, ela fala assim: “O Pedro é meu namorado, paaaaaaai”. “SEU O QUÊEEEE?”. Ai, que azia.

Uma noite, a Julieta, digo, Lucia, estava chorando. Não queria ir dormir ou algo desse tipo. Falei que ela tinha que descansar, e, no dia seguinte, ir pra escola, encontrar os amiguinhos, ver o príncipe. No meio do choro, ela emenda, toda sentida “Buáaaaa… mas o Pedro não quer mais ser meu príncipe, buáaaaa…”. Nossa, que raiva. Pior que o sujeito namorar a sua filha, é ele não querer. Já me imaginei chacoalhando o menino e gritando ''Por que não?!!''.

Nessa noite eu contei uma história da Rapunzel pra ela, mas nessa, depois do casamento, o príncipe decide que quer ser astronauta. Afinal as pessoas podem ser o que quiserem, né, e a Rapunzel deu o maior apoio pro ele, que queria voar no espaço. Lucinha morreu de rir com a nova versão e foi dormir pacificada.

Meses depois, na festa de aniversário, ela sai de mãos dadas com o Pedro, toda feliz, pra lá e pra cá. Vira pra amiguinha e diz “Lorena, o Pedro parece meu namorado, mas ele não é meu namorado, viu?”. Só faltou uma piscadinha de olho. Ela tem o que quer e ele não foge em pânico. Essa menina é esperta.

O que me faz pensar que tudo bem se a Lucia tiver seus namorados, isso faz parte, desde que seja na hora certa: quando ela for um pouco mais crescida, e eu estiver morto.