Vida de Pai

1460 dias com a pequena Rapunzel

Renato Kaufmann

Vida de Pai - a torre da Rapunzel

Ilustração: Eduardo Souzacampus

Esta semana, a Lucia faz quatro anos de idade. Ela era um bebê e cabia no meu antebraço, e agora é essa miniatura de ser humano que conversa comigo e fala coisas incríveis.

Lembrei de cada um dos aniversários. No primeiro, ela estava com um vestido de joaninha. Me parecia improvável que já tivessem passado 21 meses que ela deixou o aquecido labirinto do meu epidídimo, e de todos os lugares possíveis, tenha tido a sorte de parar na acolhedora barriga de sua mãe.

Nesse primeiro aniversário, eu escrevi: “Com uma filhota, o mundo fica cheio de pequenas conquistas, a gente comemora o primeiro cocô saudável e também o mais recente, mas trocamos ambos com o mesmo asco. O de hoje, primeiro da nova idade, grudou em tudo, inclusive na minha mão. Precisei encarar como um boa sorte de teatro pra não arremessar horrorizado a fralda no teto e o bebê de bunda na parede, onde ficaria grudado, e fingir que não vi nada até a empregada chegar.”

No segundo ano, eu escrevi uma carta pra ela: ''Querida Lucia, nestes seus dois anos, eu descobri mais coisas sobre a vida que nos últimos 20. Quando você veio, eu me preocupava se eu saberia te ensinar, e mal desconfiava o quanto teria pra aprender.”

Em um piscar de olhos, ela fez três anos. “Era uma notícia. Virou um feijão. Um feijão mágico, com quatro pixels piscantes no meio, que o médico chamou de coração. Virou um teste de Rorschach. Virou um 4D em que só se comentava o nariz. Virou uma coroa de cabelos aparecendo por entre camadas de pele, alavancada por um garfo de churrasco e fez plop.”

Súbito, quatro anos. É sempre rápido assim? Esse vai ser de Rapunzel, e a fila dos pretendentezinhos só aumenta. Vou mandar um por um para a Legião Estrangeira. Em todos os aniversários dela, eu me dou conta do presente – não aquele que eu esqueci de comprar, mas o que ela deu pra mim. É uma frase atribuída ao Paul Valery: “Feliz é o homem que, ao acordar, se reencontra com prazer e se reconhece como aquele que gosta de ser”. Pois eu gosto de ser o pai da Lucia, e a cada aniversário que passa, isso é mais verdade do que nunca.